sábado, 6 de fevereiro de 2016

Palimpsesto - das couves à economia global



Por: Susana Baltazar

Restos da Expo98

Este trabalho visa enquadrar a área oriental de Lisboa que foi delimitada a sul pela avenida Marechal Gomes da costa, a Norte pelo rio Trancão, a poente pela linha férrea e a nascente pelo rio Tejo, em quatro épocas distintas.
Épocas essas diferenciadas não só no tempo mas essencialmente no espaço e na ocupação da mesma, com saliência nos factores de localização das actividades económicas e a sua evolução.
Parti com esta afirmação do professor Jorge Gaspar “A componente tempo é uma dimensão fundamental das abordagens do território” e, apercebi-me de imediato o que queria abordar, num espaço tão diferenciado, a sua ocupação e o contraste apresentado nesta parcela de território que durante mais de 100 anos foi ocupada de forma tão distinta.
A primeira coisa que queria destacar tem a ver com as características físicas do local, e a importância dos portos fluviais do rio Tejo.
É certo que os rios navegáveis constituem eixos de desenvolvimento presentes em qualquer local que geograficamente assim o permita, e, na área do parque das nações foi exactamente isso que aconteceu, a existência dessa via natural de comunicação e desenvolvimento que potenciou a colocação de agregados populacionais adaptados a sua época.
Em relação as características do clima, Lisboa é influenciada por um clima temperado caracterizado por apresentar uma temperatura média anual de 16Cº e valores de precipitação média anual de 650 a 760mm e ventos predominantemente de nordeste todos estes factores potenciam também, a colocação de pessoas e serviços nesta área geográfica.
Em relação ao relevo, ou a ausência dele, neste local destaca-se o Alto das rolas que é a área com maior elevação do parque das nações e em contraste com as plataformas adjacentes, foi em tempos uma ponte de passagem de rolas no seu trajecto migratório de sul para norte dai o seu nome, aqui em 1907 o rio Tejo “encostava” no sopé desta elevação e este é sem dúvida um local de contacto visual com o rio e a paisagem deste local.

Jardim do Alto das Rolas

Na escolha de qualquer local existem um conjunto de componentes naturais, construídos e sociais que desempenham um papel importante na colocação não só das actividades económicas mas também da população, população essa que depois potência não só a mão-de-obra com também a acessibilidades a mercados de consumo.
Tendo em conta que os componentes naturais serão a água, o ar e o solo, os componentes construídos são as infraestruturas ou os equipamentos. Os patrimónios, os valores e as leis correspondem aos componentes sociais.
Estes componentes juntos darão uma inter-relação perfeita com resultados projectados a curto e longo prazo.

Situação em 1907

Mapa com a situação em 1907 (fonte: Arquivo Municipal de Lisboa)

Mapa com a ocupação do solo em 1907 com a área de estudo identificada, o aspecto que mais se destaca neste mapa é a linha de costa e o referido anteriormente em relação ao alto das rolas que na altura tinha nesse local uma quinta que se chamava quinta das rolas.
Nesta altura toda esta área era ocupada essencialmente por quintas com prioridades perfeitamente hierarquizadas e apesar de se terem instalado algumas indústrias a partir da segunda metade do séc. XVIII inicialmente com carácter quase exclusivamente manufactureiro a totalidade da área mantinha-se essencialmente rural.
A função das quintas seria abastecer a cidade de Lisboa de legumes frescos, em relação a disposição dos cultivos toda esta área tinha um grande aglomerado de oliveiras, daí o nome de Olivais, que fornecia azeite para iluminar toda a população 
O modelo de Van Thünen enquadra-se perfeitamente nesta situação porque não só teria como base a estruturação de espaço agrícola como a pretensão de destino único. (Lisboa) 
Assim com a clara tendência á aglomeração de actividades no centro urbano e a dispersão de outras em direcção á periferia, assim como a função e os custos dos terrenos no centro e de maior disponibilidade de espaço na periferia.
Aqui os factores de localização era essencialmente a proximidade de um recurso natural como o rio e a natureza dos solos.

Situação em 1993

Mapa com a situação em 1993 (fonte: Instituto Geográfico do Exército)

Toda esta área foi “preparada” para este tipo de ocupação, visto que desde a época de 20 que vinham a ser colocados inertes resultantes da dragagem dos canais de navegação do rio por forma a reestruturar o espaço para essa nova actividade económica.
Na década de 40 já estávamos perante condições de espaço favoráveis a colocação da indústria e de serviços, aqui foram sediados serviços como a refinaria, matadouro industrial de Lisboa, depósito de material de guerra etc..
Esta ocupação levou em pouco tempo a uma sobrecarga desta área em questões ambientais e rapidamente passou a ser considerada uma área altamente poluída.
Em questões funcionais este local ampliou a sua área de acção económica o seu destino não seria só Lisboa mas também todo o país dada as característica da mercadoria da linha férrea e do rio que permitiam o transporte de mercadorias mais pesadas e altamente poluentes.
Como Weber destacou no seu modelo de localização industrial o que é fundamental para o ponto “óptimo” da localização é o custo do transporte das matérias-primas e energia assim como o custo da mão-de-obra.

Situação em 1998 


Mapa com a situação em 1998 – Exposição Mundial (fonte: Parque Expo) 

Nesta carta vemos uma parte da área de estudo, área essa preparada para albergar a exposição mundial de 1998. 
Foi exactamente esse o motivo que levou a requalificação desta parte oriental de Lisboa criando assim uma simetria com a parte ocidental que na década de 40 já tinha sido requalificada a propósito da exposição do mundo português. 
A reconversão de extensas faixas ribeirinhas originou em muitas cidades intervenções urbanas de grande interesse. No caso de Lisboa surgiu interesse e a necessidade de manter um porto, polivalente, carga contentorizada turismo recreio actividades vitais para a economia da área metropolitana de Lisboa 
A realização desta exposição impulsionou a reabilitação desta frente ribeirinha desenvolvendo um espaço urbano de qualidade e criando uma nova área de lazer. 
Embora fosse uma ocupação temporária existiu sempre a preocupação de não deixar futuramente chegar ao abandono registado nas décadas anteriores, por esse motivo se construíram alguns edifícios que iriam ficar de forma permanente como é o exemplo do pavilhão atlântico e do oceanário entre outros. 
Estes edifícios viriam a ser enquadrados nos novos projectos urbanísticos alterando altamente o uso do espaço depois da Expo, espaço esse que seria de vivência plena em que não só iriam existir ocupações de forma permanente, como espaço de passagem. 

Situação actual

Mapa com a situação atual – Ocupação do solo (fonte: Google Earth) 

Depois da Expo 98 a capital ganha novo centro urbano com condições ambientais adequadas e construção de novas infraestruturas que potenciam a ocupação da área por novas empresas trazendo para esta área novas funções e serviços. 
Hoje o parque das nações integra diversas funções humanas (rede de telecomunicações, sistema centralizado de distribuição de água, recolha automática de resíduos etc.), na actualidade esta área pode ser considerada por alguns como uma nova centralidade já que assume uma hierarquização superior com a envolvente. 
Christaller defendia não o factor hierarquia por si só mas também a função que cada lugar possui, e neste aspecto o parque das nações destaca-se não só por questão de prevalência dos serviços mas também pela gestão cuidada na intervenção urbanística que potenciou o aumento da população residente neste local. 
Factores de localização como a segurança as acessibilidades os recursos naturais e as infraestruturas fazem deste local uma potência económica em franca expansão empresas que outrora se localizavam noutros locais têm agora aqui a sua sede e daqui tomam as grandes decisões que influenciam a economia nacional.

Perspectivas de futuro 


Para a área do parque das nações existem algumas situações que continuam sem fim definido, situações como o antigo pavilhão de Portugal que foi considerado monumento de interesse público encontra-se neste momento visivelmente degradado. 
Os espaços vazios que na altura da Expo foram ocupados com estacionamento encontram-se sem projectos para o futuro muito por culpa da crise do sector da construção,  no entanto foi construído um novo hotel que tem anexo a um centro de congressos potenciando ainda mais esta área com alto teor lucrativo e expansão económica do pais 
Em relação à reforma administrativa foi aprovado no parlamento a criação da nova freguesia do parque das nações que ficará delimitada a sul pela avenida Marechal Gomes da Costa a poente pela praça José Queiroz e pela avenida D. Henrique e a nascente pelo rio Tejo. 
A aprovação da proposta implica que se faça modificação do território a norte de Lisboa pelo rio Trancão área essa que pertencia a Loures que vê agora retirado grande parte do seu território para Lisboa. 

Espaço vazio (antigo parque de estacionamento da Expo98) 

Conclusão 

Ao longo destes 100 anos esta foi uma área de grande mudança, mudança do uso pela proximidade a Lisboa e a importância da proximidade ao rio como recurso natural e de primazia em questões culturais e de lazer, bem como ao longo dos tempos a valorização económica do espaço. 
Aqui mudou muito a paisagem, cresceram os serviços e esta nova área da cidade de Lisboa esta cada vez mais competitiva no sentido de atrair para si todo o comando da economia, criando valores, comportamentos e estilos de vida. 

“O rio e a montanha” (obra de arte) 

Área pedonal junto da torre da Petrogal 

Marina do Parque das Nações 

Vista do Jardim do Alto das Rolas (para norte) 


Bibliografia 


  • Barata Salgueiro, Teresa (1992) A cidade em Portugal, uma geografia urbana, Afrontamento, Porto. 
  • Castro, Alexandra (1999) A cidade da expo98, uma reconversão na frente ribeirinha de Lisboa? 
  • CEDRU (1991) Estudo da localização da expo98. [Acedido em 26 de Maio 
  • CML (2009) Relatório de estado do ordenamento do território, Câmara municipal de Lisboa, Lisboa.
  • CEDRU (2012). http://www.cedru.com/pt/o-que-fazemos/urbanismo/97-estudo-de-localizacao-da-expo-98-com-a-hidroprojecto
  • Folgado, Deolinda. Custódio , Jorge (1999) Caminho do oriente: Guia do património industrial, Livros Horizonte, Lisboa. 
  • Gaspar, J, Trindade, Mª J.L (1973/74) -A utilização agrária do solo em torno de Lisboa, na idade média, e a teoria de Van Thünen, Boletim cultural de Junta Distrital de Lisboa, II série, Lisboa,pp3-11.
  • Gaspar, J. (1970) Os portos fluviais do Tejo, Finisterra,volV nº10, CEG Lisboa, pp153-204. 
  • Mega Ferreira, António (1998) Caminho do Oriente, Instituto Camões, Lisboa. 
  • Parque Expo, (2002) Gestão urbana, Passado presente e futuro. 
  • Santos, José. Ribeiro, J. (2009) Localização das atividades e a sua dinâmica, Universidade do Minho. 
  • Vale M (2009) Conhecimento, inovação e políticas de desenvolvimento regional. Prospetiva e planeamento.

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